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O seu equilíbrio vem do acreditar na sua intuição e permitir que a sua voz interior lhe dê a resposta de que precisa. Tem uma força maior que nos mantém vivos e fortes. PODEMOS TUDO QUANDO ACREDITAMOS!!!

quinta-feira, 3 de março de 2011

O MENINO CAZUZA¨¨¨

O menino Cazuza
Gilberto Gil - 1990
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Cazuza era menino, muito menino mesmo, querendo a turma, querendo o brinquedo, junto com todo mundo, querendo a mãe e o pai, os irmãos. Todos tinham que ser um pouco irmãos. Era uma personalidade quase suburbana, nesse sentido. Um menino de subúrbio. Como se quisesse estar sempre naquele playground dos imensos conjuntos habitacionais suburbanos, com a turma toda. E entrando nas casas dos vizinhos, fazendo bagunça em todos os apartamentos.

Tenho uma grande admiração por Cazuza, pela sua rabugice, por uma exigência de afeto. Era exigente com a amizade, com a proximidade, e queria que o mundo se revelasse através da capacidade de cultivar pessoas. Eu via muito mais isso nele do que essa imagem de rebelde impessoal. A música dele refletia isso. Essa coisa de querer todas as portas abertas, o tempo todo. Era comunitário, precisava de muita gente com ele, muitos amigos, muitas amigas. "O maior abandonado.

Eu gostava muito dele como músico. Fazia uma música esquisita. Era uma composição muito própria, muito pessoal, muito desobediente aos cânones. Um autônomo que não tinha necessidade, como eu, por exemplo, tenho, de reverenciar modos de criação de outros e seguir linhagens harmônicas, rítmicas ou melódicas. Ele, não. Ele queria ser reprodutor de um eco meio desorganizado, de um conjunto de coisas que passavam pelos seus próprios ouvidos. Gritos, rugidos e barulhos - tudo isso, ao mesmo tempo com o substrato musical, porque ele gostava de Lupiscínio Rodrigues e Cartola. Gostava de música e superava uma certa inabilidade para o cultivo submisso da disciplina musical, algo, afinal de contas, necessário a todo músico que quer ser músico. Cazuza supria isso com a extraordinária capacidade de transmutar, de revelar, de filtrar essa musicalidade através da impertinência e, assim, revelar uma outra música. Uma música nova, quebrada, toda 'troncha' e, ao mesmo tempo, tão bonita e até meio 'dada'.

Isso mesmo. A música de Cazuza é quebrada. As suas simetrias eram outras, raras no universo brasileiro da música, no rock'n'roII e no próprio rhythm'n'blues, que é o substrato dessa coisa toda do rock. Ele se aproximava do break, pela desarticulação. Mas rearticulava tudo isso numa linguagem. Lembro-me de um dia em que ensaiei três ou quatro músicas com ele e tive que aprender a incidência dos acordes, a sua relação, a sua incidência nos tempos das composições. Tive muita dificuldade de acertar os tempos onde os acordes incidiam. A estrutura musical criada por ele era totalmente caótica em relação aos meus cânones, aos meus padrões. No entanto, quando ouvia tudo aquilo no rádio, nada me era estranho. Ao contrário, ocorria-me um sentido de unidade, de compleição, de harmonia e de conjunto. Eu tive muita dificuldade para tocar aquilo. Foram as músicas mais difíceis para eu pegar até hoje.

Cazuza fala outra língua.

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